A HISTÓRIA DE UM POEMA
A
HISTÓRIA DE UM POEMA
Corria
o ano de 1980 ou 81. Corria lento, como era lento o tempo àquele
tempo visto de hoje. Eu caminhava, lento, em direção à Estação
Ferroviária do Horto, bairro onde morava. Parece que era à uma
tarde, mas devia ser manhã, pelo que me lembro dos horários dos
trens. Nossa turma gostava de tomar o trem tomando vinho e tocando
violão. Eu não tocava, mas cantava e bebia. Esta tarde, ou manhã,
curtindo a lentidão do meu caminho, vi uma plaquinha à porta de uma
oficina mecânica com o seguinte dístico: “Nem tão depressa que
pareça covardia, nem tão devagar que pareça provocação.”
Gostei daquilo, pela síntese e pelo conteúdo mesmo, mais engraçado
que conselho útil. Não anotei nem me lembro de ter comentado com
alguém.
Em
1983, lancei o livro “Bakunin”. Neste meio-tempo, fiz muitas
leituras de textos anarquistas, por isso o título do livro. Um dos
poemas se chama “Personalidade”: “Nem tão amarga / que se
torne intragável // Nem tão doce / que possa melar o jogo”.
Quando
escrevi o poema e o incluí no livro, não havia feito a conexão
óbvia com a frase da plaquinha da oficina, mas acabei fazendo-a pelo
fato de que este poema chamou a atenção de TODAS as pessoas que o
leram. De tanto elogiarem, acabei me lembrando da frase e me dando
conta do plágio, no mínimo do ritmo. Tudo bem, não vi problema
nisso.
O
tempo passou – muito tempo, aliás. Sempre que alguém lia o
“Personalidade” no meu livro ou em alguma publicação, o elogio
era certo. Em algum momento, eu mesmo deixei de gostar tanto dele,
porque ele falava de uma postura muito “em cima do muro”, algo
longe do que sempre fui e tentei fazer.
Em
2012, ao reformar sua casa, uma amiga colocou este poema em letras
grandes acima da mesa da sala/cozinha. Para mim, era a consagração.
Em
2017, essa amiga me presenteou com o “Fonte viva”, de Chico
Xavier pelo espírito de Emmanuel. A ideia desse livro é você
abri-lo aleatoriamente a cada dia e refletir sobre a mensagem lida.
Parêntese:
na adolescência, li muitos livros espíritas em casa. Fecha.
Passei
a usar o livrinho, é um bom material de reflexão mesmo. Um dia me
cai o texto intitulado “Linguagem”, onde se lê: “Paulo de
Tarso fornece a receita adequada aos aprendizes do Evangelho. Nem
linguagem doce demais, nem amarga em excesso. Nem branda em demasia,
afugentando a confiança, nem branda em demasia, afugentando a
confiança, nem áspera ou contundente, quebrando a simpatia, mas sim
“linguagem sã e irrepreensível para que o adversário se
envergonhe, não tendo nenhum mal que dizer de nós””.
A
minha ficha caiu de imediato: em algum momento entre os anos de 1969
e 1979, circa, eu já havia
lido esta mensagem, que ficou perdida no subconsciente; ao ler o
dístico da oficina, só fiz
encaixar, inconscientemente, o conteúdo antigo com o ritmo da frase.
As
mais recentes
provas
do poder desta mensagem, que não é propriedade de ninguém, pois
ela reflete uma busca universal de equilíbrio, foi a camerawoman
da tevê que gravava comigo em maio passado destacar exatamente este
poema dentre todos dos oito livros que ela folheava para fazer
imagens de corte. E esta
entrevista serviria para divulgação do livro que lancei no dia 18
daquele mês. O primeiro convidado a comprar o livro e a comentá-lo,
no dia seguinte, por e-mail,
foi o professor de literatura Antônio Sérgio Bueno, que disse: “-
O POEMA DE QUE EU MAIS GOSTEI NESTA COLETÂNEA É ESTE:
"PERSONALIDADE: Nem tão amarga / Que se torne intragável //
Nem tão doce / Que possa melar o jogo (p.47). (a personalidade que
eu queria ter).”
Além
da afirmação do conteúdo em si e de sua transcendência, me agrada
ter sido vítima de um processo mental de certa complexidade e que
envolve a literatura, semelhante ao episódio protagonizado pelo
título de um conto do Marçal Aquino, outro poema meu e uma ideia do
Luiz Roberto Guedes. Há uma distância de ao menos seis anos entre
esses três itens, mas essa história completa está no meu livro
“Quarenta” (ed. Pulo), lançado neste 2019.
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