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A LONGA HISTÓRIA DE UM ROMANCE

POR QUE E COMO FIZ O LIVRO “LAMBE-LAMBE” ou POR QUE ESTOU ESCREVENDO UM ROMANCE DE QUASE MIL PÁGINAS   As “jornadas de junho e 2013” foram um movimento popular nacional açodado pela mídia comercial contra o PT, o governo Dilma e as bandeiras de esquerda em geral, a partir da manifestação contra o aumento de vinte centavos no preço da passagem de ônibus na cidade de São Paulo/SP, governada por Fernando Haddad, do PT. Hoje, 2020, todo mundo tem uma opinião sobre o episódio, mas, enquanto ocorria, o panorama não era tão claro — e ainda há divergências dentro da própria esquerda. Nós, que amamos tanto a Revolução, também nos confundimos: não era, afinal, o povo nas ruas? Mas... que povo era aquele e por que mesmo estava tomando as ruas do país? Eu, como vários participantes e analistas das jornadas, me fiz estas e outras perguntas. Em julho já estava clara a manipulação feita pela mídia e o rumo protofascista das jornadas. Para mim foi um incômodo intenso ver que a energia po

DECLARAÇÃO CAPILAR

Senhora M., tudo bem? Ontem você falou sobre minha barba e eu agradeço a atenção. Essa opinião de que aparento mais idade vem desde o tempo em que eu tinha menos idade... Sempre atendi à demanda de manter a face imberbe, porque, como todo mundo, também queria (e ainda quero, claro) ser visto com mais afeto, mais "bonitinho". E os cabelos curtos também vêm desde sempre, com raros momentos de exceção. Entretanto, em novembro do ano passado, estava em Macapá, quando, rotineiramente, cortei os cabelos. Naquele momento, já antevíamos a inevitável vitória eleitoral do atual presidente da república. Não havia mais nada a fazer, quanto à eleição, além de tentar virar alguns votos na última semana de campanha. Pessoalmente, porém, entendi que precisava marcar com ênfase minha posição contrária a ele, seu projeto fascista e tudo o que ele representa. Uma atitude foi essa, deixar crescer a barba e não pentear os cabelos. Sei que o governo não vai cair por causa disso,

AUTO-AJUDA LITERÁRIA

Você conseguirá organizar suas ideias para um romance, apesar do Brasil ser governado por ex-militar que é incapaz de ter qualquer ideia, que certamente nunca leu um livro, que não consegue expressar com clareza nem a própria ignorância, que odeia tudo que se relacione com literatura, artes, cultura e tem se esforçado todos os dias para eliminar qualquer traço de inteligência e reflexão que ainda insista em sobreviver no país de seus sonhos. Você conseguirá escrever um romance, apesar do Brasil ser governado por aquele mesmo ex-militar que se cercou das figuras mais nefastas que viviam escondidas nos porões da civilidade e agora, usufruindo das benesses e do poder que o poder público lhes confere, se esforçam todos os dias para nos lembrar como o ser humano pode ser degradante, imbecil, sem noção, covarde, mesquinho, ególatra e escroto. Você conseguirá editar seu romance, apesar do Brasil ser governado por um ex-militar que optou, ou melhor, foi cooptado para servir aos interesses

A HISTÓRIA DE UM POEMA

A HISTÓRIA DE UM POEMA      Corria o ano de 1980 ou 81. Corria lento, como era lento o tempo àquele tempo visto de hoje. Eu caminhava, lento, em direção à Estação Ferroviária do Horto, bairro onde morava. Parece que era à uma tarde, mas devia ser manhã, pelo que me lembro dos horários dos trens. Nossa turma gostava de tomar o trem tomando vinho e tocando violão. Eu não tocava, mas cantava e bebia. Esta tarde, ou manhã, curtindo a lentidão do meu caminho, vi uma plaquinha à porta de uma oficina mecânica com o seguinte dístico: “Nem tão depressa que pareça covardia, nem tão devagar que pareça provocação.” Gostei daquilo, pela síntese e pelo conteúdo mesmo, mais engraçado que conselho útil. Não anotei nem me lembro de ter comentado com alguém.       Em 1983, lancei o livro “Bakunin”. Neste meio-tempo, fiz muitas leituras de textos anarquistas, por isso o título do livro. Um dos poemas se chama “Personalidade”: “Nem tão amarga / que se torne intragável // Nem tão doce / que

UMA PROFECIA ÓBVIA E RUIM EM ANDAMENTO

     No dia 17 de setembro de 2017, um domingo de sol, fui, pela manhã, ao aeroporto de Confins, região metropolitana de BH, buscar um convidado para nosso 2º Festival Literário Internacional. Enquanto aguardava, passeando pelo saguão, vi alguns homens brancos, todos vestindo camisetas pretas. Quando a porta do desembarque se abriu, eles começaram a gritar Bolsonaro presidente . De longe, vi o candidato sendo carregado nos ombros pelo grupo, que passou a cantar um trecho do hino nacional. De longe, liguei a câmera do celular. Estava de camiseta vermelha e achei prudente manter distância. Nós já sabíamos do que se tratava.      Durante a tarde, fiquei sabendo o que o candidato fez na minha cidade.      À noite, participei da mesa A Literatura e a Voz dos Personagens Invisíveis,   que abordou a escrita sobre grupos que se configuram entre as minorias sociais e sua visibilidade literária, com Conceição Evaristo, Oscar Nakasato e mediação de Dagmar Braga. Foi o maior público do

TRABALHADORES DO BRASIL

Convidado a participar de uma mesa no 2º FLIBH, aceitei, apesar de ter decidido, há um ano, não participar mais de mesas. Aceitei porque os curadores, Francisco de Morais Mendes e Adriane Garcia, me disseram que a mesa,  "A voz dos personagens invisíveis",  foi inspirada no meu livro Lambe-lambe .  Optei por colocar em discussão a invisibilidade do trabalho. Mais do que nunca, as relações trabalhistas e a visão da sociedade sobre o trabalho ameaçam o trabalhador a uma ainda maior invisibilidade -- ou inexistência... O título, Trabalhadores do Brasil, é uma referência a Wander Piroli, que usou a expressão de Getúlio Vargas para intitular um de seus excelentes contos em que sempre dava voz a personagens invisíveis. (O texto está registrado de modo a servir de guia à minha própria interpretação.) TRABALHADORES DO BRASIL setembro/2017 Para Aline, Arlete, Décio, Dih e Wanda, colegas de Usina.       Boa tarde, pessoal. Eu trabalho no centro cultural da prefeitura